Há exatamente meio século, em 1971, tive a sorte de conhecê-lo e entrevistá-lo em Santiago do Chile, para onde viajou a convite do então presidente socialista Salvador Allende.
Digo sorte porque, aos 26 anos, fui o último repórter do escritório da Prensa Latina, chefiado pelo jornalista e escritor argentino-cubano Jorge Timossi e composto pelos destacados colegas chilenos Hernán Uribe, Mario Cerda e Víctor Vaccaro e os uruguaios Julio Huasi, jornalista e poeta, e o fotógrafo Naúl Ojeda.
Confesso que na época não conhecia Theodorakis ou seu enorme trabalho – exceto pela trilha sonora de Zorba o Grego (1964) e Z (1969) -, deficiência que rapidamente retifiquei após aquele encontro.
A questão é que alguém, em nome de Theodorakis, ligou para o correspondente e disse a Timossi que o artista estava no Hotel Carrera, perseguido pela mídia, mas que não falaria sem antes dar uma entrevista exclusiva à Prensa Latina, um gesto de agradecimento, disse ele, pelo apoio da agência a ele e sua causa.
Ele perguntou quem era fluente em inglês ou francês, porque ninguém falava grego, e Theodorakis também não era fluente em espanhol. Os jornalistas mais experientes do nosso escritório ficaram inibidos e a tarefa coube a mim, o mais novato, tanto por causa do meu inglês quanto por estar em missão na época.
Com uma mensagem de Aroldo Wall, correspondente da Prensa Latina em Paris, que havia transmitido a partida do artista naquela manhã ao Chile, com informações sobre sua vida, caminhei duas quadras até o Hotel Carrera (atual chancelaria chilena).
A nota de Aroldo dizia que Teodorakis teve que passar à clandestinidade para participar da resistência contra a Junta Militar fundada em seu país em 1967, ano em que foi preso e exilado após uma greve de fome e, novamente, confinado em um campo de concentração.
Um grande movimento de solidariedade de artistas e intelectuais conseguiu que fosse deportado para a França, onde chegou em abril de 1970.
Acompanhou-me à entrevista, como sempre, com a sua pasta cheia de máquinas fotográficas e lentes, Naúl Ojeda, quem me garantiu que falava francês perfeitamente… Embora naquela tarde tenha sofrido muitos contratempos.
Ao chegarmos ao hotel, um detetive nos perguntou se éramos da Prensa Latina e nos conduziu ao terraço, próximo à piscina, onde Theodorakis e seu amigo-assistente-tradutor-guarda-costas degustavam uma caçarola de frutos do mar chilenos e vinho branco.
Eles estavam em uma mesa recostada no terraço, longe do cordão de segurança dos Carabineros e policiais à paisana que mantinham uma centena de jornalistas nacionais e estrangeiros furiosos à distância.
Só Naúl e eu passamos e nos sentamos à mesa e apertamos a mão do artista e de seu companheiro.
O grande lutador e compositor acabava de chegar da prisão e do exílio e naquela mesma noite seria recebido por Allende, que iniciou seu mandato constitucional rodeado por personalidades de todo o mundo. Também dialogaria com o poeta Pablo Neruda, para cujo Canto Geral compôs posteriormente a música.
‘Na minha cela, ouvi os despachos da Prensa Latina na Rádio Havana Cuba em grego’, disse ele, satisfeito, em sua língua, depois de passar do francês e do inglês para o espanhol.
Agradeceu a Cuba – país que visitou e com cujos dirigentes estabeleceu laços de amizade – a solidariedade demonstrada nos momentos de sofrimento.
Ele falou de Allende e seu novo processo político, de sua alegria por ser livre e pela música que queria compor.
O despacho que depois escrevi, como este, conseguido por acaso, não refletia plenamente o sentimento profundo que ali se instalou, embora, para mim, minha primeira nota importante para a Prensa Latina seja inesquecível.
vc / jl / hb