A expectativa se deve ao debate iminente de projetos de lei preparados para permitir que os restos mortais sejam cremados e suas cinzas desapareçam, para que nada fique dele e aqueles que o querem imitar não tenham um túmulo para homenageá-lo.
O Congresso, que tentava fazer com que o governo do presidente Pedro Castillo assumisse essa responsabilidade, decidiu esta semana tratar dos projetos em questão, nenhum deles fruto de sua obrigação essencial de legislar.
Uma reforma legal é imprescindível para apagar Guzmán da face da terra, já que a legislação vigente proíbe a cremação mesmo de falecidos não identificados ou sem família para assumir, casos em que o cadáver deve ir para uma vala comum.
Na ausência de iniciativas parlamentares, o Procurador Nacional, Zoraida Ávalos, apresentou um projeto de lei que autoriza juízes e promotores a decidir o que fazer com cadáveres cuja entrega, velório ou sepultamento possam representar risco para a sociedade.
Por sua vez, o Procurador-Geral da República, Daniel Soria, ingressou com pedido de tutela perante o Judiciário para que ordene ao Ministério Público que se abstenha de entregar os restos mortais de Guzmán a seus familiares e ordene sua cremação ‘, conforme a ordem constitucional ‘.
Ontem desapareceu a distante possibilidade de que o Ministério Público do vizinho porto de Callao, onde está instalado uma base naval, prisão de segurança máxima onde Guzmán passou seus últimos 29 anos, cumpra o processo de entrega dos restos mortais à sua viúva, que também é condenada à prisão perpétua, Elena Iparraguirre.
Aquela instância rejeitou o pedido do interno para que um procurador removesse o corpo e argumentou que o promotor responsável, Vladimir Farfán, ‘ponderou a ordem pública e o interesse social’. Antes, a justiça rejeitava um habeas corpus com objetivo semelhante.
O referido Ministério Público solicitou ao Ministério do Interior que reforçasse a segurança da Morgue Callao, sitiada por dezenas de militantes de extrema direita e membros de um grupo de familiares de vítimas dos ataques do Senderista.
Os manifestantes exasperados exigem ver o corpo e tentaram derrubar a cerca montada para fechar o beco sem saída onde fica o necrotério, e alegam o falso boato de que o governo fingiu a morte.
Nesse contexto, o porta-voz da bancada parlamentar do partido no poder, Peru Libre, Waldemar Cerrón, expressou o desacordo do grupo com o que chamou de ‘show midiático’ armado em torno da morte de Guzmán, que reabre as feridas do passado.
‘Vamos virar a página, Guzman foi um terrorista cujas ações não deveriam se repetir depois, vamos evitar a dor, vamos virar a página; temos que trabalhar pelo bem-estar do nosso país’, disse.
Acrescentou que ‘concordamos que nem o terrorismo de Estado nem qualquer outro tipo de terrorismo volte a acontecer’, aspecto da questão que poucos tocam, devido ao chamado ‘terruqueo’, a prática de acusar os que não o são. Limitado a ser um terrorista, para condenar Guzmán ou referir-se às condições de desigualdade propícias ao surgimento da caminhada.
Da França, onde reside, o escritor peruano Diego Trelles criticou que se alguém, por exemplo, se opõe à cremação de Guzmán, suspeita. ‘Se alguém se opõe à decisão do Estado sobre os corpos dos terroristas mortos, eles são suspeitos’, acrescentou.
Trelles considerou aberrante e fascista aprovar uma lei para incinerar terroristas mortos e espalhar suas cinzas, algo que, advertiu, nenhuma organização de direitos humanos pode aceitar.
Sobre a polêmica lei em elaboração, ninguém disse como evitar que ela tenha efeito retroativo – algo proibido pela Constituição – para aplicá-la ao corpo de Guzmán.
Ciente do problema, o parlamentar de extrema-direita José Cueto disse que o governo deve ordenar a cremação dos restos mortais e depois ver como lidar com as consequências jurídicas, que se espera sejam nacionais e internacionais.
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