De acordo com documentos divulgados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, em 2010, quando Piñera estava em seu primeiro mandato, ele e sua família venderam ações da empresa de mineração Dominga a um amigo por US$152 milhões, dos quais US$138 milhões foram negociados no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas.
O pagamento deveria ser feito em três parcelas, a última das quais estava condicionada ao não cumprimento da exigência dos conservacionistas da natureza de declarar a área como protegida ambientalmente.
O projeto de mineração e porto de Dominga havia sido rejeitado em 2017, porém, em agosto passado uma comissão ambiental, em sua maioria designada pelo governo, deu luz verde à iniciativa, o que provocou rejeição generalizada e gerou protestos em Santiago, Valparaíso, La Serena e Coquimbo.
Após suspeitas de conflito de interesses e evasão fiscal por parte do presidente, todas as bancadas da oposição na Câmara dos Deputados concordaram em iniciar procedimentos constitucionais contra ele.
Este procedimento se aplica às autoridades acusadas de cometer um delito que justifique sua destituição ou desqualificação do cargo ou de qualquer outra função pública.
Esta não é a primeira vez que se faz uma tentativa de processar o presidente. Em novembro de 2019, um mês após o início da agitação social, a oposição apresentou uma denúncia por graves violações dos direitos humanos cometidas durante a repressão dos protestos, mas a iniciativa fracassou.
Na próxima semana, os deputados da oposição apresentarão um recurso contra ele perante a Câmara dos Deputados, onde são necessários 78 votos para sua aprovação e posterior passagem ao Senado.
Para o chefe do bloco do Partido Socialista, Jaime Naranjo, ‘Piñera violou o princípio de probidade estabelecido na constituição e comprometeu seriamente a honra do país’.
‘É difícil acreditar que o presidente não tinha conhecimento deste negócio, onde todos os seus familiares imediatos estão envolvidos’, disse Camila Flores, membro do partido governista Renovação Nacional.
O presidente chileno é um dos três presidentes ativos, juntamente com Guillermo Lasso, do Equador, e Luis Abinader, da República Dominicana, que aparecem no mais recente vazamento de milhões de documentos conhecidos como os Pandora Papers.
Em declaração do Palacio de la Moneda, o chefe de Estado negou qualquer conflito de interesses entre sua vida comercial privada e política e disse que os fatos já haviam sido investigados pelo Ministério Público e resolvidos pela justiça em 2017.
Entretanto, o promotor público nacional, Jorge Abbott, instruiu a Unidade Anti-Corrupção a analisar as transações descritas nos chamados Pandora’s Papers, para determinar se existem possíveis infrações fiscais ou de tráfico de influência que mereçam uma investigação criminal ex officio.
No Chile, foram feitas acusações constitucionais contra um presidente em exercício em duas ocasiões, a primeira contra Carlos Ibáñez em 1956 e a segunda contra Piñera em 2019, nenhuma das quais foi bem sucedida.
Os deputados esperam que a acusação constitucional seja colocada à votação na Câmara antes de 21 de novembro, data das eleições presidenciais e legislativas.
Se for ao Senado, os analistas dizem que é pouco provável que passe porque são necessários 29 votos em 43 e a oposição tem 24.
Seja qual for o resultado, o escândalo já fez sua parte no partido governista, cujo candidato presidencial, Sebastián Sichel, caiu do segundo para o terceiro lugar nas pesquisas, atrás do candidato de extrema-direita, José Antonio Kast.
‘O efeito dos Pandora Papers terá consequências políticas e eleitorais insuspeitas que provavelmente superarão em muito as judiciais’, disse um artigo no jornal digital El Mostrador.
A publicação acrescentou que as principais pessoas afetadas pelos fragmentos políticos e eleitorais são o atual presidente e o candidato da coalizão de direita Chile Podemos Más, Sebastián Sichel. ‘Piñera não estará nas urnas no dia 21 de novembro, mas as pessoas verão Sichel como seu representante e, portanto, a raiva do público será dirigida contra ele’, disse o artigo.
O presidente é o pior avaliado desde o retorno à democracia no país e, segundo a última pesquisa, 73% dos cidadãos desaprovam sua administração.
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