“Quem é?” Perguntou o professor.
“Ele é um homem robusto, doutor, de pele morena, como um índio. Por respeito, não perguntei o nome dele, porque me parece alguém importante, embora eu saiba que não aparece na agenda do dia. Ele fala com um sotaque estrangeiro e usa uma camisa de manga curta”. -Sim eu sei. É o presidente da Bolívia, Evo Morales. Faça-o vir – pediu o diplomata diante do rosto perplexo da secretária.
HAVANA … FIDEL … CHÁVEZ …
A mídia de diferentes épocas reflete como Havana se tornou palco de grandes amizades para o líder do país andino, desde sua primeira visita em 6 de setembro de 2006 como presidente eleito (18 de dezembro de 2005).
Em seguida, viajou de surpresa a Cuba, preocupado com a saúde do presidente Fidel Castro, que se recuperava de uma intervenção cirúrgica.
São conhecidos os laços políticos e humanos do líder boliviano com o lendário Comandante-em-Chefe da Revolução Cubana, assim como os mantidos nesta mesma cidade com o também lendário revolucionário e estadista venezuelano Hugo Chávez.
A história inclui encontros de Evo, Fidel e Chávez em Havana, Caracas e outros lugares, durante os quais trocaram veteranice, genialidade e novas iniciativas, conforme fosse o caso, somadas a uma irmandade que não cedeu à morte.
Foi na capital cubana que Morales assinou em 30 de abril de 2006 com os dois dirigentes a incorporação da Bolívia aos dois dos projetos mais impressionantes e transcendentes da América Latina e do Caribe.
Os três líderes aqui assinaram a entrada do país andino na Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, fundada por Cuba e Venezuela em dezembro de 2004. Da mesma forma, a adesão de seus respectivos países ao Tratado de Comércio dos Povos foi proposta em Havana pelo próprio Morales, entidade que se chamaria ALBA-TCP.
Os três posteriormente conceberam e fundaram, junto com outros estadistas, a atual Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, desta vez no México, em 23 de fevereiro de 2010, como um mecanismo mais abrangente de coordenação e integração regional.
A imprensa de todo o mundo armazenam espaços sobre como a capital cubana foi também uma das cidades em que Morales interagiu com Fidel e Chávez sobre a obsolescência do neoliberalismo e o protagonismo dos indígenas na nova Bolívia.
INDIGENISMO EM MORALES
A citada anedota de Havana do acadêmico e também jornalista e escritor Valdés Vivó (1929-2013), contada posteriormente a um grupo de comunicadores, incluindo este redator, revelou a simplicidade e o caráter despreocupado do líder do país andino.
Revelou também sua convivência familiar, sem rigidez nem protocolo, com seus amigos, entre eles cubanos, aos quais professou sentimentos de lealdade e afeto e formas de tratamento que alguns associam aos hábitos indígenas.
Antes dai, Morales entregaria a Valdés Vivó a bolsa que carregava consigo, hoje guardada pela filha deste, a jornalista da revista Bohemia, María Victoria Valdés Rodda, respeitada autora da foto que faz parte desta obra.
Esse jeito modesto e despreocupado de ser de Evo Morales descrito por Valdés Vivo mostra, antes de tudo, a marca humana de um bom homem. Mas revela, com efeito, uma genética ancestral típica das comunidades originárias da Bolívia e de outros povos.
Esse estilo de vida também foi transmitido por Morales ao governo que ocupou por 14 anos (2005-2019) e ao partido por ele presidido, o Movimento pelo Socialismo-Instrumento Político pela Soberania dos Povos (MAS-IPSP).
Esses modelos ancestrais parecem sintetizar em Morales uma espécie de filosofia pessoal que marca seu cotidiano de trabalho e se irradia para as demais lideranças da nação andina na vida cotidiana e na defesa dos direitos dos povos indígenas.
Juan Evo Morales Ayma (Isallavi, Cochabamba 1959), que completou 62 anos em 26 de outubro, foi eleito em 18 de dezembro de 2005 como o primeiro presidente indígena da história de um país do qual mais da metade da população tem essa origem.
Político e sindicalista formado nas bases mais populares do movimento cocaleiro boliviano, sua modéstia também se traduz na aplicação de conhecimentos e concepções sobre a vida dessas comunidades, especialmente de sua etnia nativa aimará.
Vestidos muitas vezes com as roupas tradicionais de poncho (tecido aberto retangular) e chullo (gorro masculino com abas), é frequente participar de cerimônias desses grupos que representam 62,2% da população.
Ainda mais significativa é a tendência de Morales e dos demais líderes de compartilhar conceitos como “Pachamama” (deusa quechua da mãe terra) e “Sumaj kawsay” (modo de bem-viver) entre seus ambientes sociais e até mesmo em seus discursos.
Este último princípio comportamental é considerado o processo da vida em sua plenitude, em equilíbrio natural e espiritual. “A magnificência e o sublime – diz a tradição – exprimem-se na harmonia, no equilíbrio interno e externo de uma comunidade”.
O termo quechua Kawsay se traduz como vida, existência, cultura, porque para os ancestrais povos amazônicos e andinos, vida é cultura e cultura é vida; e o Sumak é equivalente a “plena, bela, bonita, esplêndida, excelente”.
Morales incorporou valores, instituições e emblemas à tarefa nacional, como a bandeira e o símbolo dos povos indígenas andinos conhecidos como wiphala (palavra aimará formada pelos termos wiphai – triunfo – e laphaqi – que tremula ao vento).
Essa insígnia quadrangular de sete cores (vermelho, laranja, amarelo, branco, verde, azul e roxo) é também um dos símbolos da banda presidencial, junto com a bandeira da flor patujú, o brasão e a flor andina conhecido como kantuta.
A wiphala, bandeira também defendida por aimarás de outras nações do império inca, foi incluída na atual Carta Magna da Bolívia, aprovada por referendo em 25 de janeiro de 2009 com 61,4% dos votos.
“Com esta Nova Constituição Política queremos que todos os originários bolivianos sejamos iguais. É isso que buscamos, sem racismo ou discriminação”, afirma a Carta Magna.
Os grupos originários da América Latina e de outras partes do mundo têm em Evo Morales uma espécie de profeta político e étnico. Ele é, talvez, o indígena contemporâneo que mais avançou na defesa dos direitos dessas comunidades.
“Quero dizer a vocês – declarou ele à ONU em 19 de setembro de 2006 – que estamos aqui depois de mais de 500 anos de desprezo, ódio, às vezes considerados como selvagens, como animais, e em algumas regiões condenados ao extermínio.”
“RECORDS” DO LÍDER DO MAS
Morales, forçado a renunciar em 2019 por um golpe, embora sua política persistisse após a vitória do MAS do atual presidente Luis Arce nas eleições de novembro de 2020, é, historicamente falando, o terceiro presidente indígena da América.
O primeiro foi Benito Juárez (1858-1872), zapoteca puro e presidente do México entre 1858 e 1872; Embora a história fale de um líder indígena antes dos astecas, o mestiço guatemalteco Rafael Carreras (1814-1865), chefe de estado de 1851 a 1865.
Morales, um dos mais reconhecidos líderes políticos da esquerda latino-americana e universal, ocupa outras posições de destaque, como a concedida em 2008 pela revista Time entre as 100 personalidades mais destacadas do mundo.
Foi também o terceiro presidente da república eleito por maioria absoluta de votos, depois de Hernán Siles Zuazo em 1956 e Víctor Paz Estenssoro em 1960.
Mas, segundo especialistas, seus recordes mais transcendentes foram os econômicos durante os 14 anos de governo, liderados pelo atual presidente e então ministro dessa pasta, Luis Arce, que fizeram crescer o Produto Interno Bruto.
Uma consulta com estatísticas daquela época revela o país andino entre os países que mais crescem na América do Sul, com dígitos sustentados de 5% ao ano.
A pobreza extrema foi reduzida de 36,7% para 16,8% entre 2005 e 2015, junto com uma melhoria na distribuição de renda.
Embora talvez o principal recorde de Morales e do MAS seja que o partido completou seu primeiro ano de reintegração no poder em 8 de outubro por meio do presidente Arce e seu vice-presidente David Choquehuanca, ambos colegas no gabinete deposto.
Em função de todas essas conquistas, após a carnificina sangrenta de 2019, aquela organização se recuperou e recuperou o governo com 55,10% dos votos em 18 de outubro de 2020, por meio de uma dupla que já havia exercido o poder junto com Morales.
arb/apb/cm
Moro acionou o Supremo Tribunal Federal contra o testemunho de Bolsonaro
Brasília, 9 nov (Prensa Latina) O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro atuou na Corte Suprema do Brasil contra o depoimento do presidente Jair Bolsonaro na investigação de sua suposta interferência política na Polícia Federal (PF), confirmada hoje.
Moro pediu ao ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação no tribunal superior, que solicitasse o parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre a audiência.
O depoimento do ex-militar foi feito no dia 3 de novembro em Brasília, mas os advogados de Moro e integrantes da PGR não acompanharam a reunião que ocorreu à noite no Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo.
Este é o principal questionamento de Moro. A defesa do ex-juiz comentou que havia falta de igualdade perante a lei no tratamento dispensado ao chefe de Estado.
“Os signatários deste documento esperavam ser informados da data da audiência do segundo investigado – e a própria PGR o fez – mantendo o mesmo procedimento adotado quando do depoimento prestado pelo ex-ministro Sergio Fernando Moro, em honra à isonomia processual”, alegaram os juristas perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, sublinharam que a declaração de Bolsonaro “foi tomada em audiência privada, presidida pela autoridade policial à noite, sem a participação desta defesa e do procurador-geral da República”.
Em 12 de outubro, De Moraes estendeu a investigação deste arquivo por mais 90 dias.
A investigação foi aberta em abril de 2020 depois que Moro deixou o cargo e acusou o presidente de tentar interferir politicamente na autonomia da PF, solicitando relatórios de inteligência e trocas no comando da corporação.
Segundo o ex-magistrado, Bolsonaro tentou barrar os inquéritos policiais exigindo a mudança do chefe do órgão policial do Rio de Janeiro e demitindo o então diretor-geral Maurício Valeixo.
A pressão do presidente, segundo a denúncia, foi para proteger dois de seus filhos, o senador Flávio e o vereador Carlos Bolsonaro, que foram investigados por aquele órgão por supostos atos de corrupção.
O ex-capitão do Exército nega ter tentado obstruir o trabalho da polícia e alega que só tentou trocar pessoas “da nossa segurança no Rio de Janeiro e oficialmente não teve sucesso”.
Ele admitiu que pediu mudanças, mas que Moro teria condicionado as substituições a uma vaga no STF.
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