23 de December de 2024
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O Pelé de Nova York que eu conheci (+Fotos)

O Pelé de Nova York que eu conheci (+Fotos)

Havana (Prensa Latina) Diferente de muitos brasileiros, minha estória com Pele só indiretamente tem a ver com futebol. E não se passou no Brasil. Meu contato com Pele foi depois dele se despedir dos campos de futebol brasileiros e quando ele se iniciava como “businessman”.

Maria Costa Pinto*, especial para a Prensa Latina

Eu era uma jovem jornalista cursando mestrado na Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia em Nova York, nos Estados Unidos. Estava escrevendo o meu trabalho de conclusão de curso que se chamava Master’s Project. Meu tema era o perfil de uma rua de Manhattan (Rua 10), como um microcosmo da cidade de Nova York. Projeto ambicioso, mas eu estava determinada a conhecer aquela realidade, as entranhas do monstro, parafraseando Marti.

Recebi então com surpresa a ligação de um jornal importante do Brasil, O Estado de S. Paulo. Precisavam de um repórter em Nova York para começar a trabalhar imediatamente porque o Pele tinha assinado um contrato com o time americano Cosmos e eles precisavam de alguém para fazer cobertura. E o meu nome tinha sido recomendado por jornalistas que me conheciam no Brasil.

Futebol? Confesso que hesitei muito porque minha prioridade era a vida acadêmica, estava muito empolgada com o meu curso. Mas acabaram me convencendo. Seriam poucas reportagens até eu terminar o meu curso e depois veríamos.

E o “depois” foi que neste momento, por causa do Pele, se iniciou, o que se transformou em “para sempre”, minha vida de correspondente e funcionaria internacional. Tive que aprender um pouco de futebol mas o principal era cobrir a vida do Pele em Nova York, e os esforços do Cosmos para transformar o “soccer” num esporte nacional.

Nunca conversei com Pele sobre futebol, embora tenha ido algumas vezes ao Giants Stadium, em Nova Jersey onde o Cosmos treinava e jogava. No Brasil tinha visto Pele uma única vez, no Maracanã. Estava na universidade e Pele estava no gol 998. Com os amigos da faculdade entrei pela primeira e única vez no Maracanã para esperar o famoso gol 1000, mas Pele não marcou.

Depois que já nos conhecíamos vivi um momento muito delicado. Precisei buscar uma declaração depois que seu divórcio foi anunciado. Nos encontramos no Madison Square Garden onde ele estava mais uma vez participando das “soccer clinics” em que ficava ensinando crianças a jogar futebol com uma paciência impressionante e sem nenhum estrelismo. Me desculpei pela intromissão na vida privada mas concordamos que por ele ser uma figura pública o interesse do jornal era válido. Confesso que não me lembro o que ele disse; lembro apenas que me senti muito mal de ter que perguntar sobre um tema tão pessoal.

Mas o meu momento inesquecível com Pele não foi com o jogador no campo de futebol e sim no seu escritório da Warner, proprietária do Cosmos, num andar alto do Rockefeller Center no coração de Manhattan, onde Pele se iniciava no mundo dos negócios. Cheguei para uma entrevista que ia ser a primeira em que iriamos conversar cara a cara sobre tudo e sobre todos. E eu estava com uma lista de perguntas muito bem preparada em que eu imaginava que ia conseguir declarações que Pele nunca tinha dado para ninguém.

Quando entrei na sala dele fui recebida por um Pele sorridente que me disse: “que bom que você chegou para me ajudar a escolher”.

Na mesa ele tinha vários desenhos que tinha recebido de Maurício de Souza, um famoso cartunista brasileiro que ia lançar uma revista de histórias em quadrinhos inspirada na infância do Pele e cujo personagem central era o Pelezinho. Ele havia enviado algumas opções para que Pele escolhesse o bonequinho que ele mais gostasse. E aí toda a ferocidade das minhas perguntas derreteu e passamos uma hora muito agradável selecionando os desenhos e conversando amenidades que depois eu tive que transformar em um texto para o jornal.

Pele foi uma das pessoas mais agradáveis e simpáticas que conheci, com um sorriso cativante e uma humildade que saltava aos olhos.

E para mim abriu as portas para um mundo esportivo que eu desconhecia dos meus inicios no jornalismo no Brasil. Por causa do Pele e do Cosmos conheci e entrevistei o alemão Franz Beckenbauer e o brasileiro Carlos Alberto, o capitão da seleção brasileira que ganhou o tricampeonato em 1970. Dois jogadores com muita experiência e muitas estórias.

Minha entrevista com Beckenbauer foi durante uma carona num Mercedes Benz esportivo vermelho que ele me ofereceu porque não tinha muito tempo para a entrevista e assim regressando do Giants Stadium para Manhattan tivemos a nossa conversa. Com Carlos Alberto a conversa foi num restaurante simples onde ele almoçava depois do treino.

Estamos falando de uma Nova York anos 70, onde moravam pouquíssimos brasileiros, e quando astros do futebol ainda eram pessoas que andavam pela rua como pessoas comuns.

Cheguei a cobrir a despedida de Pele do Cosmos, diante de 75 mil pessoas no Giants Stadium que a pedido dele gritaram juntas o célebre “Love, love, love”.

Mas eu não me despedi mais de uma carreira internacional. Quando terminei com Pele eu já estava estabelecida como correspondente, com o mestrado concluído, cobrindo a campanha e depois a presidência Jimmy Carter, já havia começado a fase das grandes coberturas, começando pela revolução nicaraguense em seus inícios, e de Nova York para continuar estudos em Paris, e depois mais um mestrado em Londres, onde trabalhava no Serviço Mundial da BBC, até que desembarquei nas Nações Unidas em Nova York novamente. E, fechando o círculo da minha aventura com o “soccer” pude assistir in loco os Estados Unidos sediarem uma Copa do Mundo em 1994, com o Brasil se sagrando Tetracampeão.

E tudo começou com Pele, uma pessoa natural de um país onde os meninos praticamente nascem brincando com a bola, e sua aventura nos Estados Unidos inspirando e ensinando crianças americanas (para surpresa minha muitas meninas) a jogar futebol.

Obrigada Pele!

rmh/mcp

* Jornalista brasileira, ex-funcionária de informação pública da ONU

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