Em entrevista exclusiva à Prensa Latina, o vice-presidente destacou que “nossos povos precisam se reconectar, o sul global precisa se encontrar em estratégias políticas e articulação econômica”.
Com base nas múltiplas e estreitas relações desta ilha com o Caribe e com a África, Márquez dedicou parte de sua estada ao tema, cujo principal objetivo foi liderar a delegação colombiana que participa da Feira do Livro de Havana.
Francia Márquez: Tive duas reuniões. O primeiro agradecimento a Cuba, que facilitou, foi com os países caribenhos, com as embaixadas que estão em Cuba, porque a Colômbia é caribenha.
Antes essa parte estava esquecida, mas agora sabemos que existe uma ligação forte, uma conexão, e a aposta que propomos é na questão da transição energética.
O Caribe é uma região negra, afrodescendente, e ali existem alguns vínculos, algumas raízes, que em termos culturais precisam ser fortalecidas.
O mesmo vale para a África. A Colômbia é o segundo país (da região) com maior número de população afrodescendente, depois do Brasil.
Reconectar-se com o continente africano para avançar em uma agenda de reparação histórica dos efeitos da escravidão, do colonialismo e do racismo faz parte do que propomos nesta agenda de articulação Caribe-África-América Latina. Essas conexões, além de enfrentar os desafios de forma articulada, nos permitirão seguir em frente.
Como mulher afrodescendente, também me interessa muito uma agenda feminina na região, uma agenda que permita que afrodescendentes, mulheres indígenas, assumam posições de poder.
Não pode ser que, neste momento, eu seja a terceira mulher da região a chegar à vice-presidência de um país. Precisamos de muitas mulheres assumindo o poder para gerar as transformações que exigimos.
Prensa Latina: Depois de meio ano no governo do presidente Gustavo Petro, que balanço o senhor pode fazer sobre o trabalho realizado?
Francia Márquez: Acho que avançamos em coisas importantes. A primeira coisa é que acabamos de ganhar uma reforma tributária, aprovada no Congresso, que nos permite arrecadar cerca de 20 bilhões de pesos com impostos.
Com o valor agora, acaba de ser feito um acréscimo orçamentário para cada um dos ministérios, priorizando educação, reforma agrária e cuidado do território, igualdade e equidade e saúde. Essas são as prioridades estabelecidas nessa reforma.
Os impostos arrecadados irão para investimentos sociais. Avançamos na criação do Ministério da Igualdade e Equidade, que esperamos que comece a funcionar em março e transforme a violência vivida por mulheres, povos e territórios.
Prensa Latina: Um dos eixos da gestão governamental é a luta contra a desigualdade, com uma estratégia que você lidera, poderia nos dar detalhes sobre isso?
Francia Márquez: Acabamos de apresentar ao Congresso nossa proposta de Plano Nacional de Desenvolvimento, que será discutida nestes dois meses e esperamos que seja aprovada. Essas propostas propõem transformações estruturais, como o acesso à educação.
Se a população colombiana não tem a possibilidade de acesso à educação, é difícil para nós fechar as brechas de iniquidade e desigualdade. É a educação que permite ao jovem, à mulher, à família, superar-se e seguir em frente.
Nosso campo colombiano nos últimos tempos tem sido uma zona de batalha: o narcotráfico, o conflito armado e a violência é o que prevaleceu.
Agora nos propomos a cumprir a reforma agrária integral incluída no Acordo de Paz, e entregar a terra ao camponês, ao afrodescendente, ao indígena: terra produtiva que começa a dar frutos. E acima de tudo há o compromisso de produzir alimentos, já que somos um país biodiverso com muita riqueza natural.
Nosso campo ficou esquecido por muito tempo, e o que se impôs a ele foi o estabelecimento de lavouras para uso ilícito. Temos o desafio de transformá-los em cultivos lícitos que nos permitam gerar espaços de vida.
Turismo, que é um ponto forte do Caribe que queremos aprender. É uma oportunidade: turismo ecológico, gastronômico, científico, comunitário. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia é essencial para a transição energética, e é isso que buscamos.
Estes são os elementos centrais que implicam uma mudança e, claro, como o Presidente repetidamente disse, a economia popular.
Queremos fortalecer a economia das vilas, o povo de pé, o ninguém e o ninguém, como diz Eduardo Galeano e parafraseamos, é uma oportunidade e isso significa distribuição de riqueza.
Prensa Latina: O que significa a paz na Colômbia para o continente da América Latina e Caribe, que nesta mesma capital foi declarada Zona de Paz há quase uma década?
Francia Márquez: Significa tudo. Significa as chances de, primeiro, salvar vidas, proteger as vidas que se perdem nesta guerra sem sentido que nunca deveria ter acontecido. Esse é o primeiro passo, se a paz contribui para proteger a vida, devemos seguir em frente.
Em segundo lugar, acho que é uma oportunidade para a América Latina se levantar e caminhar com as próprias pernas, porque se a Colômbia avança em paz, a América Latina avança, o mundo avança.
Não podemos continuar apoiando uma guerra sem sentido, que só deixou mortes, vítimas, desastres…
A Colômbia não pode avançar em seu desenvolvimento social e econômico sem paz, o que é essencial para avançar na garantia dos direitos de todos os colombianos. A paz é essencial para poder avançar na reconexão regional.
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