Por Carmen Esquivel
Correspondente-chefe no Chile
Apesar de todos os triunfos de seu país, a atleta de 37 anos é uma pessoa simples, tem mais de 100 medalhas, mas não gosta de contá-las porque para ela, diz, o o mais importante é o privilégio de fazer o que você ama.
No meio de sua preparação para completar o desafio dos sete mares, ela concordou em conversar com a Prensa Latina de seu local de treinamento, a piscina da Universidade Católica.
Prensa Latina (PL): Como você começou neste esporte?
Bárbara Hernández (BH): Comecei a nadar em piscinas aos sete anos, mas aos 17 conheci o mundo das águas abertas como mar, rios e lagos e me especializei em natação muito extrema, em locais com temperaturas abaixo de cinco graus, e também em longas distâncias.
Não uso roupa de neoprene que ajuda a manter o calor do corpo, mas sim roupa de banho comum, e também não uso graxa isolante de frio.
Nesta disciplina sou o atual campeão mundial e já detenho dois recordes do Guinness, o último dos quais na Antártica, em 2,5 quilômetros.
PL: Essa é uma categoria praticada em poucos países?
BH: É um desporto que aspira a fazer parte dos Jogos Olímpicos de Inverno, pelo que ano após ano vão sendo incluídos mais países, mas claro que os mais fortes são os nórdicos. Também nos Estados Unidos e na Europa esta disciplina se desenvolve de forma cada vez mais decisiva.
É governado pela International Winter Swimming Association, com sede na Finlândia, e é semelhante ao mar aberto, mas a principal diferença está na temperatura.
PL: Você está treinando para completar o desafio dos sete mares?
BH: O desafio consiste em cruzar sete canais ou estreitos ao redor do mundo que são escolhidos pela World Open Water Swimming Association pelo seu grau de dificuldade.
Já completei o Canal de Molokai (Havaí), onde as temperaturas são mais quentes, mas é muito longo (47 quilômetros) e também tem tubarões.
Também atravessei o Canal Catalina (33,7 km entre a Califórnia e a Ilha Catalina), o Canal (34 km entre Inglaterra e França), o Estreito de Gibraltar (14,4 km entre Espanha e Marrocos), o Canal Norte (35 km entre Irlanda e Escócia ) e o Estreito de Cook (26 km Nova Zelândia).
O último desafio, se tudo correr bem, será no Japão, o Estreito de Tsugaru, que tem 27 quilômetros de extensão e é nadado à noite, e esperamos concluí-lo em julho.
PL: Você é formado em Psicologia pela Universidade do Chile. Como essa profissão te ajuda no esporte?
BH: Ser psicóloga é a minha outra paixão e aprendi a complementá-la com esta prática que já faz parte da minha identidade.
A psicologia ajuda a conseguir adaptar-se a condições muito complexas ou extremas, o que – juntamente com o desporto – permite-nos ultrapassar as adversidades, trabalhar a tolerância à frustração, à dor e entrar em contato com a natureza com um propósito maior.
PL: Como você se prepara para enfrentar o frio?
BH: Conseguir adaptar-se ao frio intenso exige um nível de preparação não só físico, mas também mental. Claro que tem exames médicos, trabalhamos com cardiologista, preparador físico, preparador físico, nutricionista, equipe de recuperação, cinesiologia e tudo mais.
Não é apenas um capricho entrar na água. Adaptar-se a essas condições também requer aprender a controlar a respiração e o contato com o local onde estamos nadando.
PL: Qual foi o seu teste mais difícil?
BH: É difícil para mim escolher apenas um, mas acho que a Antártida tem algo muito especial porque foi um mergulho quase impossível que nenhuma pessoa no mundo havia feito antes.
(Com este percurso de 2,5 quilômetros, sem nenhum tipo de proteção térmica e com uma temperatura média de 2,2 graus, Hernández alcançou um recorde do Guinness em 5 de fevereiro).
Isso exigiu uma logística tremenda que, graças ao apoio da Marinha do Chile, foi possível e também devido à preparação da equipe para poder me recuperar da hipotermia que me manteve com uma temperatura corporal de 27 graus Celsius por duas horas.
Com este tremendo desafio, queríamos também dar visibilidade ao Oceano Antártico e à necessidade de falar da preservação desta área marítima protegida.
(Um ano antes, em 27 de fevereiro de 2022, a Sereia do Gelo havia estabelecido outro recorde do Guinness no Cabo Horn para a milha mais rápida nadada lá, feito que ela realizou em 15 minutos e três segundos.)
PL: Ao longo de sua carreira, Bárbara Hernández conquistou inúmeras medalhas de ouro, prata e bronze em campeonatos mundiais realizados na Eslovênia, Bielo-Rússia, Estônia, Rússia e França. Quantas medalhas você tem?
BH: Devem ser mais de 100 desde que comecei nesta disciplina em 2015, mas a verdade é que não os conto. Os títulos são importantes para os patrocinadores e as pessoas também gostam muito deles, mas para mim o mais importante é o que amo fazer em lugares tão únicos, diversos e diferentes.
Comecei nessa profissão muito jovem, não era um dos melhores e não ganhei nenhuma medalha, deve ser por isso que quando eu crescer não tenho esse apego a isso.
Para mim o mais importante é a oportunidade de nadar em mar aberto, sinto que pertenço a esses lugares e isso vai além de qualquer reconhecimento.
PL: O que significa para você representar o Chile nesses eventos?
BH: É um orgulho e um privilégio representar meu país e as pessoas que amo no mundo, mas também significa uma grande responsabilidade. Conseguir se tornar o primeiro sul-americano a completar os sete oceanos seria uma honra, se tudo correr como planejado em julho.
PL: Aqui você é reconhecida como a Sereia do Gelo.
BH: Esse é o meu apelido e algo que aprendi a gostar também. Gosto muito dessa imagem de mulher, forte e nadando em nossas geleiras, principalmente na Patagônia.
arb/car/ls