Juan J. Paz-y-Miño Cepeda*, colaborador da Prensa Latina
Foi um ciclo de estabilidade governamental que contrastou com o que se seguiu entre 1996-2006, quando as presidências de Abdalá Bucaram (1996-1997), Fabián Alarcón (1996-1998), Jamil Mahuad (1998-2000), Gustavo Noboa ( 2000-2003), Lucio Gutiérrez (2003-2005) e Alfredo Palacio (2005-2007). Rosalía Arteaga não foi presidente, mas sim vice-presidente responsável pela presidência durante um fim de semana conflituoso devido à saída de Bucaram. O paradoxo é que os únicos três líderes eleitos (Bucaram, Mahuad e Gutiérrez) foram derrubados por “golpes parlamentares”, resolvidos antes das imparáveis mobilizações sociais contra eles. Mesmo quando Mahuad caiu, uma ditadura noturna efêmera foi estabelecida (21 de janeiro de 2000), com participação militar.
Do ponto de vista histórico, a partir do reformismo popular com enfoque desenvolvimentista que caracterizou o governo de Roldós e relativamente ao de Hurtado, a partir de Febres Cordero (empresário/presidente milionário), um novo modelo econômico decolou no país, inspirado no Ideologia neoliberal que se espalhava por toda a América Latina como resultado das condições impostas às dívidas externas pelo FMI. O social-democrata Borja interrompeu esse processo, que, recuperado por Durán Ballén, se consolidou na década de 1990. O modelo de negócio neoliberal tinha como apoio as poderosas elites económicas do país. Favoreceu o crescimento capitalista acelerado, com privilégios para essas elites, a ascensão de sectores das classes médias, uma profunda concentração de riqueza e a manutenção de condições de vida e de trabalho deterioradas para a maioria da população nacional. Desde o ano 2000, disparou até a emigração sem precedentes de equatorianos, cujas remessas passaram a ocupar
ocupa o segundo lugar em rendimento, depois das exportações de petróleo. O rumo económico foi acompanhado pelo enfraquecimento do Estado e pela deterioração dos serviços públicos, pela imparável corrupção pública e privada, bem como pela afetação da vida de paz e da democracia, entusiasmada pelos equatorianos.
Em contraste com décadas e ciclos anteriores, entre 2007-2017 governou Rafael Correa, eleito três vezes. Um novo ciclo começou porque foi descartado o modelo empresarial-neoliberal, para estabelecer uma economia social, que permitiu recuperar as capacidades do Estado, bem como os investimentos e os serviços públicos, afirmando uma nova institucionalidade, de acordo com a Constituição de 2008. O social os avanços de uma década, com redistribuição da riqueza, redução da pobreza e melhoria das condições gerais de vida e de trabalho, foram destacados especialmente por relatórios de organizações internacionais, bem como por estudos e relatórios nacionais. A economia também cresceu, beneficiada pelos elevados preços do petróleo, bem como pela rentabilidade dos diferentes sectores empresariais. O país tornou-se uma referência latino-americana, no contexto do que foi identificado na região como o primeiro ciclo progressista. No entanto, quando ocorreu a recessão económica (201
15/04), o caminho das reformas se afrouxou. Ao longo do caminho, a polarização política entre apoiantes e opositores do governo aprofundou-se e continua até hoje. É um sintoma dos diferentes interesses de classe que se situam na sociedade, dependendo se a balança pende para o “correísmo” ou para o “anti-correísmo”.
Apesar de Lenín Moreno ter sido patrocinado pela Revolução Cidadã, o seu governo (2017-2021) marcou outro ciclo, pois restaurou o modelo de negócio neoliberal e perseguiu o “correísmo”, cujos líderes mais visíveis (incluindo Rafael Correa) foram processados por ” corrupção”, “associação criminosa” ou qualquer outra acusação que alimentasse o desenfreado lawfare, com a qual se presumia a culpa de qualquer “correísta”. Nestas novas condições, afirmou-se um bloco de poder dominante expresso na direita económica, mediática e política. As consequências de tal viragem histórica foram vistas na desestabilização institucional, na perda de capacidades estatais, no desastre dos serviços públicos, no renascimento dos interesses das elites económicas e dos sectores das classes médias com elas identificados, e na repressão dos interesses sociais. movimentos. . O colapso das condições de vida e de trabalho regressou, com o aumento da pobreza, do desemprego e do subemprego, agravado
os em 2020 com a chegada dia da pandemia global do Coronavírus, negligenciada pelo governo.
Seu sucessor, Guillermo Lasso (2021-hoje), outro presidente empresário/milionário (banqueiro), conseguiu consolidar o bloco de poder que usou Moreno para conseguir a restauração de seus interesses. Desta vez, o modelo empresarial-neoliberal adquiriu características oligárquicas, comparáveis às que o Equador viveu durante a primeira “era plutocrática”, entre 1912-1925, baseada na dominação despótica privada. Isto explica não só a continuidade das políticas de Moreno, mas também a sua expansão, que causou o “encolhimento” do Estado, afetando as suas capacidades e o quadro institucional nacional. Desta vez, o caminho neoliberal foi o mais profundo em quatro décadas. Consequentemente, caíram as políticas sociais e somou-se a descolagem imbatível da insegurança cidadã, devido à explosão da delinquência e do crime organizado, dada a incapacidade do Estado para enfrentá-la.
Perante estas complexas situações históricas e a perda de legitimidade social do governo, a Assembleia Nacional propôs o impeachment do Presidente Lasso, que antecipou o processo aplicando a “morte cruzada” (maio de 2023), um mecanismo constitucional que implica eleições antecipadas para tanto o Executivo quanto o Legislativo. Na verdade, Lasso não conseguiu completar o seu mandato presidencial e junta-se aos três líderes depostos do passado imediato, que também não concluíram o seu ciclo de governo.
Nestas circunstâncias, os resultados das eleições de domingo, 20 de agosto (2023) refletem uma realidade histórica: no segundo turno (15 de outubro) estarão Luisa González e o empresário milionário Daniel Noboa. Luisa González representa a possibilidade de avançar numa economia social, cujas bases, como destacou, foram lançadas pelo governo de Rafael Correa. Por outro lado, Daniel Noboa, apesar da imagem de renovação política e de juventude que tem projectado (e que lhe proporcionou uma vitória surpreendente), tanto pelo seu programa de governo, como pelas suas declarações e pelo meio empresarial e social ao qual está ligado, representa a continuidade do modelo económico empresarial-neoliberal e oligárquico. Tal como já aconteceu no passado, a palavra de ordem será “todos contra o correísmo”. Uma polarização que preocupa a América Latina, pelos riscos que apresenta o projeto progressista no Equador. E isso, sem dúvida, também estará na mira dos Estados Unidos, numa situação internacional
l em que qualquer inclinação de um país para a esquerda prejudica o monroísta-americanismo.
rmh/jjpmc/ml