23 de November de 2024
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América Latina convalescendo em 2024

América Latina convalescendo em 2024

Bruxelas, (Prensa Latina) Em 2024, a previsão de crescimento econômico para a América Latina será ainda menor do que em 2023: perspectivas sombrias para um continente que não consegue escapar da crise internacional.

Crescerá pouco no ano que vem: apenas 1,9%, ou seja, menos do que os míseros 2,4%, de 2023. É o que antecipa o Balanço Preliminar das Economias da América Latina e do Caribe 2023, publicado na segunda semana de dezembro pela Conferência Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal)

Crescimento em baixa em 2024

Essa perspectiva de baixo crescimento terá pelo menos três efeitos: menor criação de emprego; acentuada persistência do trabalho informal e aumento das diferenças salariais entre homens e mulheres, em detrimento das mulheres.

Segundo a Cepal, estima-se que nos próximos doze meses a América do Sul sofrerá “uma desaceleração do crescimento regional” em relação aos níveis de 2023: 1,4% contra 1,5%. Por outro lado, a América Central e o México 2,7% contra 3,5%, enquanto o Caribe (sem incluir a Guiana), 2,6% contra 3,4%. Essa descida mantém uma tendência decrescente bem acentuada face a 2022, quando essas três sub-regiões cresceram 3,8%, 4,1% e 6,4%, respetivamente.

Quanto ao mercado de trabalho, o número de pessoas empregadas em 2023 cresceu apenas 1,4%, representando uma redução de quatro pontos percentuais face aos 5,4% de 2022. As perspectivas para 2024 são ainda mais alarmantes, já que o número de pessoas ocupadas deve aumentar apenas 1%.

Segundo a Cepal, organização regional vinculada às Nações Unidas, essas projeções para 2024 refletem não apenas o baixo dinamismo do crescimento econômico, mas também do comércio global, “o que se traduz em um impulso limitado da economia mundial”. Além disso, seu Balanço Preliminar 2023 aponta para o “limitado espaço interno da política fiscal e monetária enfrentado pelos países da região”, em grande parte devido ao impacto da imensa dívida pública.

Por outro lado, embora a inflação (como tendência continental) tenha diminuído, as taxas de juros que definem as economias dos países desenvolvidos não caíram. Isso significa que os custos de financiamento permaneceram em níveis elevados ao longo de 2023 e devem permanecer assim pelos próximos anos, penalizando os países do Sul.

A crise argentina

De acordo com dados do Balanço Preliminar da Cepal, em termos de crescimento, em 2023, a Argentina ocupa o último lugar entre os países do continente. O seu crescimento negativo de -2,5% (inclusive atrás do Haiti, com -1,8%) resultou do “impacto combinado da queda do investimento e das exportações”.

A queda nos investimentos deveu-se à crescente incerteza macroeconômica e política. A queda nas exportações resulta de uma das secas mais severas das últimas décadas, que afetou o complexo agroexportador e exacerbou uma série de desequilíbrios macroeconômicos de longo alcance.

A inflação em outubro, período caracterizado por tensões no front externo, pela incerteza política devido às eleições presidenciais e por um déficit fiscal persistente, chegou a 143%. No entanto, não existem soluções mágicas. Para 2024, a Cepal projeta uma contração ou crescimento negativo de 1,0% como resultado, fundamentalmente, da transição estatística que 2023 deixará (no momento do fechamento do Balanço não eram conhecidos os detalhes das medidas de política econômica adotadas pelo novo governo em 20 de dezembro).

Economia mundial em baixa

Segundo a Cepal, o crescimento da economia mundial também vai diminuir: de 3,0%, em 2023, para 2,9%, em 2024. Algo a levar em conta se lembrarmos que a média entre 2000 e 2019 era de 3,8%.

Quanto aos países desenvolvidos, ou economias avançadas, tudo indica uma desaceleração do crescimento de 1,5%, em 2023; e 1,4%, em 2024, bem atrás dos 2,6%, em 2022. Esses indicadores situam-se num contexto internacional marcado por um desempenho melhor do que o projetado pelos Estados Unidos, mas pior do que o esperado na União Europeia. Ou seja, o primeiro e o terceiro maiores parceiros comerciais da América Latina.

No que diz respeito aos preços das matérias-primas, os bens não energéticos mantiveram a mesma tendência de descida este ano, com uma média 11% menor do que em 2022.

Os bens energéticos (particularmente o petróleo) aumentaram desde o segundo semestre do ano; no entanto, permanecerão 21% abaixo dos níveis médios, em 2022.

Outros fatores internacionais também afetam e condicionam a América Latina. Por exemplo, políticas monetárias restritivas em países desenvolvidos, bem como os altos níveis de inflação, bem acima dos tetos propostos e dos 3,6% da década prévia à pandemia.

No âmbito financeiro, as condições de financiamento continuam a ser significativamente restritivas. Na verdade, o nível atual de restrição não era identificado desde a crise financeira global de 2008-2009. O endurecimento das condições financeiras reflete a contração da liquidez global em 2023, que aconteceu simultaneamente nos Estados Unidos, na zona euro e no Reino Unido, algo que poucas vezes ocorreu.

Por outro lado, como aponta a Cepal, dentro desse contexto financeiro mais restritivo, o nível da dívida global atingiu um recorde histórico, especialmente nas economias desenvolvidas. Isso, por sua vez, contribuiu para o aumento do endividamento dos países em desenvolvimento, incluindo os da América Latina e do Caribe. Inevitavelmente, o risco de inadimplência de vários países emergentes também aumentou.

No entanto, dentro desse complexo quadro internacional, o baixo crescimento esperado das economias latino-americanas em 2023 e 2024 demonstra não apenas de um problema de curto prazo, mas também de um declínio tão consistente quanto duradouro. Os dados parecem confirmá-lo: enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) no período 1951-1979 cresceu mais de 5% ao ano, durante 1980-2009 aumentou menos de 3% ao ano, e de 2010-2024 para não mais do que 1,6%.

Olhares desde a Europa

A imprensa europeia tomou nota das projeções da Cepal sobre a deterioração da saúde das economias latino-americanas.

Em sua recente análise “O crescimento nos países da América Latina e do Caribe está perdendo força”, em 18 de dezembro, o jornal francês Les Echos comenta que esse declínio regional representa uma “parada no crescimento” e argumenta que as projeções decepcionantes da Cepal se devem à desaceleração do “efeito de recuperação da Covid” e aos preços mais baixos de muitas das matérias-primas vindas da América Latina. Além disso, menciona “a falta de confiança política, particularmente no Chile, na Colômbia e no Peru”, com processos enfraquecidos pela transição (nos dois primeiros) e repressivos no caso da nação andina.

O artigo também destaca a taxa de crescimento do Brasil, em 2023, muito melhor do que o esperado, pois pode chegar a 3%, dois pontos percentuais acima do mísero 1% que os analistas projetavam no início do ano. Quanto à Argentina, “não sabemos o que pode acontecer”, embora preveja que os cortes orçamentários que o novo Presidente, o ultraliberal Javier Milei, poderia instituir “provavelmente causarão uma recessão em 2024”.

Também em 14 de dezembro, e coincidindo com a apresentação do Balanço Preliminar da Cepal em Santiago, no Chile, o jornal espanhol El País noticiou que “a agência das Nações Unidas ajustou suas estimativas para a região para este ano e para o próximo, alertando como consequência a persistência de altos níveis de informalidade e grandes disparidades de gênero”.

Segundo o El País, que ecoa as projeções da Cepal, em 2023 o PIB per capita da América Latina será o mesmo de uma década atrás. A debilidade econômica que a região enfrenta será, sem dúvida, “um teste para os governos no próximo ano”.

A BBC britânica destaca a observação da Cepal sobre o impacto negativo do atual “baixo dinamismo do crescimento econômico e do comércio global” sobre a região em geral. Essa contração ou arrefecimento global determina que a América Latina receba um impulso limitado da economia mundial. E ressalta que o impacto será ainda maior nos países cujo principal parceiro econômico é o gigante chinês. Principalmente o Chile, que vende 39% de seus produtos exportados para a China; o Peru e o Panamá, 32%; e o Brasil e o Uruguai, 27%.

Opções para sair da tempestade

O panorama latino-americano não es animador. No entanto, a Cepal defende que o continente não deve se resignar ao diagnóstico de uma economia paralisada, mas, sim, buscar portas de fuga do labirinto atual. Segundo a agência da ONU, uma maneira para que isso aconteça é dinamizar a atividade económica: “É necessário aumentar as políticas de desenvolvimento produtivo com foco em setores estratégicos dinamizadores, impulsionar políticas de promoção do investimento público e privado e adaptar o quadro de financiamento para potencializar a mobilização de recursos”.

Segundo a Cepal, essas diretrizes de desenvolvimento produtivo devem ser complementadas com políticas macro e financeiras que permitam a gestão adequada dos riscos financeiros e cambiais enfrentados pela região e que também estimulem a mobilização de recursos internos para ampliar o espaço fiscal e aumentar o investimento e a produtividade.

Tão importante quanto essa proposta é a promoção de propostas e políticas “que permitam uma maior inclusão e a redução das grandes desigualdades que caracterizam a região, especialmente as relacionadas ao género”.

A Cepal também adverte a comunidade internacional de que “reformas na arquitetura financeira e tributária internacional são necessárias para acompanhar os países do continente latino-americano no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mobilizando recursos para a região”.

Inclusão social e políticas que contribuam para a redução das desigualdades. Receitas realizáveis ou simples sofismas econômicos para um continente não apenas letárgico em seu crescimento, mas também crucificado pela injusta redistribuição de sua renda. E que só mudando de rumo conseguirá tirar a cabeça da água, modificando seu atual papel como continente agroexportador; promovendo uma proposta de desenvolvimento da indústria nacional e de integração regional complementar; tomando uma posição rigorosa sobre a questão opressiva e paralisante da dívida externa eterna. Há pistas, o que falta é vontade política para a mudança.

*Sergio Ferrari, Journaliste RP/periodista RP

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