Essas facções formadas por árabes atingiram assentamentos majoritariamente africanos durante a guerra de Darfur (2003-2008), com cerca de 300 mil mortos e 1,8 milhão de deslocados, e agora devem se desmobilizar diante do processo de transição do país.
Segundo observadores, o papel desempenhado pelos jóqueis armados não será esquecido imediatamente, após ser apagado do cenário político nacional, porque as vítimas não o permitirão, enquanto esperam que se faça justiça real com aqueles que foram objeto de violação dos direitos humanos.
Os combates em Darfur colocaram guerrilheiros de perfil separatista contra as milícias pró-governo dos Janjaweed, acusados de arrasar aldeias inteiras para realizar limpeza étnica. Um de seus chefes, Ali Muhammad Ali Abdelrahman, conhecido como Ali Kushayb, está sendo julgado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Este processo que decorre em Haia, na Holanda, contra o ex-chefe da milícia é o primeiro caso julgado por crimes de guerra cometidos há quase 20 anos na região ocidental do Sudão e no qual se espera ouvir testemunhos aterrorizantes relacionados com as 31 acusações contra o acusado.
A sessão começou com a apresentação oral das acusações que o ex-chefe paramilitar negou: “Nenhuma das acusações é verdadeira. Rejeito todas, sou inocente”, afirmou na primeira audiência após a extradição do prisioneiro da República Centro-Africana, onde se refugiou até junho de 2020.
Pouco depois de sua transferência para Haia, ele foi acusado de crimes de guerra e crimes contra a humanidade supostamente cometidos durante o conflito em Darfur, quando facções Janjaweed apoiaram o então presidente do Sudão, Omar Hassàn al Bashir, que foi deposto em 2019 e agora está na prisão
O dossier do Procurador contém acusações contra Ali Kushayb pela preparação de ataques contra civis, homicídios, execução de vários ultrajes, bem como a destruição de bens materiais e atos contrários à dignidade humana, como violação, tortura, tratamento cruel e raptos.
Eles também incluem a expulsão de populações e a perseguição de indivíduos durante seu comando à frente das milícias paramilitares na área de Wadi Salí.
O mandado de prisão contra ele foi expedido em abril de 2007 e o vincula a mais de 500 assassinatos, vinte estupros e o deslocamento forçado de mais de 41.000 pessoas, “sem contar os inúmeros casos de violência sexual, tortura e saques dos quais seus homens foram responsável”, resumiu a mídia em Haia.
Ali Kushayb – chamado de coronel de coronéis – está diretamente associado a crimes de natureza política, cometidos quando as facções Janjaweed apoiaram al Bashir em Darfur.
O julgamento do ex-chefe da milícia, que durante 13 anos evitou a justiça, foi aproveitado por figuras ocidentais para exigir a extradição do ex-governante sudanês, a quem consideram responsável por crimes contra a integridade humana durante o conflito de Darfur, mas Cartum não mostra sinais de concordância.
Em outras palavras, qualquer decisão judicial que o TPI tomar contra os Janjaweed estará inserida em um contexto muito mais amplo do ponto de vista político, já que o público africano está percebendo se o que vai acontecer será uma vingança ou um mecanismo para pressionar os mulheres sudanesas em seu processo de transição.
Também é preciso avaliar se é viável julgar o ex-presidente fora do Sudão, questão complexa debatida no país, onde alguns falaram pelo acesso, outros rejeitaram essa opção, mas indicaram que concordam em processá-los e, finalmente, houve aqueles que repudiam todos os itens acima e defendem sua libertação, de acordo com relatos da jornal Sudan Tribune.
Além do deposto Al Bashir, cuja proposta de extradição foi discutida sem sucesso pelo ex-procurador do TPI Fatou Bensouda com as autoridades judiciais de Cartum, há outros funcionários do governo anterior que permanecem detidos e cujas chances são pouco conhecidas até agora.
Com o ex-governante, seu ex-ministro da Defesa, Abdelrahim Mohamed Hussein, está em cativeiro e, segundo o atual promotor-chefe do TPI, Karim Khan, são necessárias “provas adicionais” nesses casos, embora ele tenha especificado que isso não altera as ordens de prisão correspondentes emitidas.
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