23 de November de 2024
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A noção de nação

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A noção de nação

Paris (Prensa Latina) Entre as ferramentas que aprendi a usar quando criança está uma insubstituível: o dicionário. Mais tarde aprendi que as práticas locais transformam qualquer palavra num emaranhado polissémico de muito cuidado. Assim, “guagua” é um bebê que está amamentando no Chile, enquanto em Cuba ou nas Ilhas Canárias é um daqueles ônibus que no Chile chamamos de “micro”.

Luis Casado*, colaborador da Prensa Latina

O que nossos vizinhos argentinos chamam de “curda”, na Espanha é “estar numa bagunça” e no Chile uma “tranca”, que a RAE define como um bastão grosso que é colocado para maior segurança, como suporte ou cruzado atrás de uma porta ou janela fechada.

Pior ainda, a mesma coisa é designada de maneiras diferentes e a compreensão torna-se difícil. Exemplo entre outros: para os cubanos o mamão não é a fruta que se pensa.

Você acha que domina o idioma, mas recorre ao dicionário para tirar dúvidas, esclarecer um significado ou aprender novas palavras. Desvantagem: às vezes o próprio dicionário te engana, te confunde, te leva a becos sem saída. Consultei o dicionário RAE para examinar a noção de “nação” e veja o que encontrei: a palavra tem três significados,

1.f. Grupo de habitantes de um país governado pelo mesmo Governo.

2. f. Território de uma nação. 3.f. Um grupo de pessoas da mesma origem que geralmente falam a mesma língua e têm uma tradição comum.

A Irlanda, uma nação, tem três governos: um em Dublin, outro em Belfast e um terceiro em Londres. A ex-Iugoslávia – um país – está agora separada em nada menos que doze “países” com o mesmo número de governos, incluindo um criado pelas bombas dos EUA e da NATO. A Escócia procura a independência da Grã-Bretanha e, entretanto, é governada por um governo em Londres e outro em Edimburgo.

Portanto, definir a nação como “território de uma nação” é algo como uma recursão: a definição de uma palavra com a mesma palavra. Pão é pão…

Quanto ao conjunto de pessoas da mesma origem e que geralmente falam a mesma língua e têm uma tradição comum… como não pensar em países que abrigam habitantes diferentes em língua, cultura, território, tradições, costumes , gastronomia, características antropológicas, cor da pele, religião, etc.?

A França é um bom exemplo. Ou Bélgica. Ou Espanha, para não falar da Índia ou mesmo da China e da Rússia. Ou o Chile, em cujo território ainda encontramos Aymaras, Quechuas, Diaguitas, Mapuches, Onas, Alacalufes e até outros povos, apesar dos valentes esforços dos conquistadores e dos seus indignos sucessores para liquidar todos eles.

Saia então do RAE e suas definições. Para isso, utilizou um conceito do economista e pesquisador francês Frédéric Lordon. Aqui está:

“A deliberação democrática tem o seu lugar mais favorável na circunscrição do que chamamos de nação. Sabendo que por nação, se formos capazes de um pouco de espírito de abstração, não temos que compreender os dados do contorno das nações atuais, mas sim a nação, definida como o espaço para a concretização do princípio da soberania.”

Não estou a dizer que esta definição facilite o trabalho: a União Europeia, por exemplo, e os países que a integram, teriam muitas dificuldades em demonstrar que constitui, ou constitui, o espaço de concretização do princípio da soberania.

Aquela ectoplasma chamada Ursula von der Layen, por exemplo, não foi eleita por ninguém e manda como se fosse a encarnação do sufrágio popular. O mesmo pode ser dito daquele palhaço assassino chamado Josep Borrell, um mutante que passou da ala esquerda do PSOE a guardião da herança neofascista europeia. Franco deve dançar muiñeira em seu túmulo.

Acrescente a isso o facto de a Europa nada mais ser do que um Protetorado dos Estados Unidos e já temos um problema. Não o digo, Charles de Gaulle disse-o quando denunciou, na sua qualidade de presidente de França, aquele ministério colonial chamado NATO. Mon Général tinha – como ele mesmo disse – “uma certa ideia de França”: uma nação grande, forte, independente e soberana… Uma nação que sucumbiu ao seu lado.

Mais uma vez, não o digo, é Pierre de Gaulle, neto do grande Carlos, que afirma que a classe política francesa traiu os ideais do seu avô ao render-se ao domínio do império.

Se se trata de governar para o seu próprio povo, os líderes enfrentam dificuldades sempre que tomam decisões que vão contra os interesses das oligarquias e dos mercados financeiros. Ou o império… que é mais ou menos a mesma coisa.

Para resistir é preciso ter convicções, habilidade, cérebro e coragem. Caso contrário você acaba nomeando Jaime de Aguirre Ministro da… Cultura!

Atualmente, em matéria económica não se pode debater nada, nem descartar a doxa, nem negar a verdade revelada. O neoliberalismo é o destino insuperável da Humanidade. Que hoje os EUA praticam um protecionismo hipócrita, financiam empresas que decida sair da Europa para se instalar no império, que mais uma vez bancos importantes vão à falência, deixando a conta para os fundos públicos… nem sequer estimula a vontade de pensar onde ninguém pensa estas coisas. No Chile, por exemplo.

Se não puder ser debatido… onde está a soberania? Se os cidadãos nem sequer têm o direito de opinar sobre questões que lhes dizem diretamente respeito, como as suas leis – a começar pela primeira: a Constituição – onde está a noção de nação? Se não é possível definir mais prioridades ou objetivos do que um elevado nível de lucro para o capital estrangeiro acompanhado de uma taxa de imposto ridícula… qual é o sentido de votar?

A nação já não é o espaço para a realização do princípio da soberania, se é que alguma vez o foi. Para ser franco, a nação não existe mais.

Hoje em dia, Macron está a tentar governar – mais uma vez – por decreto em França, e está a fazê-lo. A utilização imoderada do artigo 49.3 da Constituição francesa, que impõe leis nas quais ninguém votou, poderia derrubar o governo, forçar novas eleições parlamentares e enfraquecer a frágil legitimidade de alguém eleito por omissão.

Noutros lugares a Constituição deve ser o resultado de uma masturbação extremamente privada entre especialistas em masturbação por ordem do grande capital.

Você chama como quiser: comissão de especialistas, Circo Caluga, Donde la Carlina… O que não aparece em lugar nenhum é a nação.

Esse espaço de concretização do princípio da soberania que desapareceu em 11 de setembro de 1973, há 50 anos.

Que saudades de você, Salvador…!

rh/lc/ml

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