O tema deste fórum de debate é transcendente, pois se refere à digitalização do desenvolvimento capitalista contemporâneo, num momento de crise do capitalismo. Uma crise que vem desde 2007/09, com tendência a desacelerar a economia mundial, agravada pela pandemia (2020-23) e pela guerra na Europa desde o início de 2022.
A pandemia acelerou o processo de digitalização com um impacto muito forte no mercado de trabalho e, claro, na educação. Mudou a nossa vida como professores universitários, como sujeitos que interagem no campo educacional. A rigor, afetou todo o ensino, em todos os níveis de ensino, mas nos concentraremos nas reflexões no campo da educação universitária. Devemos pensar este desenvolvimento tecnológico nos termos do volume 1 de O Capital de Karl Marx, em relação à análise que a revolução industrial com a mecanização implicou, e mesmo às primeiras respostas dos trabalhadores que foram contra as máquinas, até que se entendesse que o problema não era a máquina, como agora o problema não é a digitalização, mas sim a propriedade e apropriação de novas formas de exploração, através de dispositivos eletrônicos.
Trata-se do domínio do processo de trabalho através deste instrumento que é a digitalização, que tem impacto no nosso quotidiano porque se diz o mundo do trabalho e o campo da educação, mas bom, o campo da educação numa pandemia passou a ser o nosso casa e por isso desenvolvemos a nossa tarefa educativa com meios electrónicos que precisávamos ter instalados nas nossas casas e embora as plataformas parecessem gratuitas, tínhamos que arcar com o custo da eletricidade, o custo da internet, os instrumentos e dispositivos adequados: um bom computador , um bom celular para poder realizar o processo de comunicação para o processo de ensino e aprendizagem.
Aponto estas questões porque devemos pensar que recuperando Marx e o pensamento crítico da economia política, a resposta à primeira revolução industrial foi a proposta pela “Revolução”. Hoje a proposta da “Revolução” deveria ser retomada. Nesse sentido, penso na grande reforma universitária de 1918, em Córdoba, na Argentina, no Peru, em Cuba. Aquela reforma de 18, há mais de um século, foi um mecanismo de “revolução” no ensino superior. É por isso que devemos pensar hoje no debate sobre a apropriação da digitalização para um processo de libertação social, econômica, política, emancipação e revolução. Assistimos a um momento de crescente desigualdade, como parte da crise capitalista e das respostas promovidas pelas classes dominantes e, de facto, a América Latina e as Caraíbas são o território mais desigual do mundo, onde a desigualdade mais cresceu. Não o território que contém mais pobreza, mas aquele que apresenta maior desigualdade.
É por isso que a minha primeira reflexão é recuperar a necessidade de revolucionar a sociedade. Por que digo isso dessa maneira? Porque o que falta aos setores subalternos, aos explorados, empobrecidos e saqueados, é uma estratégia para a transformação integral da sociedade e, a esse nível, da educação e do ensino superior.
Duplo sentido da Universidade
Uma segunda ideia que quero incorporar ao nosso debate visa discutir a universidade, no seu caráter duplo e contraditório que a Universidade tem. Podemos pensar a universidade como uma “instituição do sistema”, aliás, as nossas universidades, mesmo as públicas, produzem conhecimentos e profissionais para a lógica do modelo produtivo e de desenvolvimento vigente nesta era do “capitaloceno”. O capitalismo exige um tipo de profissional, um tipo de técnico, um tipo de cientista ou professor e, portanto, precisamos criticar essa funcionalidade da instituição universitária à realidade e à demanda do capitalismo contemporâneo. Mas a universidade não é apenas uma instituição funcional ao sistema, mas também é um movimento: movimento estudantil, movimento docente, movimento de trabalhadores administrativos, a comunidade universitária interagindo não só no ensino e na pesquisa, mas também na extensão universitária com a comunidade , com o
movimento social e popular. Na verdade, a reforma universitária, a revolução no ensino superior, partiu do movimento estudantil e do movimento docente, sustentando que a universidade tinha que ser mudada, renovada, revolucionada num momento de mudanças muito importantes no capitalismo mundial no início do século 20. Penso que é isso que nos falta neste momento.
Devemos suscitar uma nova dinâmica de pressão e crítica do movimento universitário à instituição universitária. Pense na alternativa e na alterativa.
Isto me leva a uma terceira reflexão ao nível das propostas, do proposicional, no sentido de avançar num desenho da alternativa, numa estratégia do movimento universitário para que impacte a instituição universitária e revolucione os conteúdos e formas de que educação na universidade hoje. O que significa discutir quais são as tecnologias e formas de desenvolvimento tecnológico autônomo e independente. Dou um exemplo para que seja compreendido de forma muito concreta: em plena pandemia, o único país que desenvolveu a sua própria vacina foi Cuba, com todos os limites do bloqueio genocida a Cuba. Na verdade, um país atrasado como Cuba, um país com problemas tremendos como Cuba tem agora, oprimido pelo bloqueio; Um país que fez da educação um projeto estratégico conseguiu desenvolver uma vacina contra a COVID 19, mesmo várias. Cuba demonstra a possibilidade de independência tecnológica, mesmo em condições de atraso e desvantagem do que representa o capitalismo desenvolvido e a sua capacidade de prejudicar com sanções a qualquer processo de tentativa transformativa e autónoma do regime do capital.
Temos experiências de tecnologia aplicada por movimentos sociais populares, no caso da Argentina, de empresas recuperadas, organizações de solidariedade, cooperativas, autogeridas, e o desenvolvimento tecnológico e a digitalização como parte dela nem sempre implicam os grandes desenvolvimentos de tecnologia de ponta. empresas e, portanto, devemos formar profissionais que estejam alinhados com o debate, um diagnóstico de qual é a necessidade de desenvolvimento científico e tecnológico da organização popular na economia.
O que exigir das diferentes áreas da política? É claro que há uma tendência “neoliberal” no último meio século de um processo de flexibilização laboral, de informalização das relações laborais e, portanto, cada vez mais definido na precariedade do trabalho, com trabalhadores que vivem diariamente em condições de miséria.
A universidade como instituição deve abordar isso e não a comercialização que exige a venda de serviços às corporações transnacionais, ao Grande Capital. Reorientar a universidade para atender às necessidades e demandas do movimento popular é uma questão fundamental que deve ser colocada como um desafio de baixo, do movimento universitário articulado com o movimento popular.
Não devemos esperar que, a nível governamental, mesmo as grandes cimeiras, resolvam o problema. Refiro-me à recente conclusão da COP 28, onde após o diagnóstico das alterações climáticas aparecem grandes discursos, mas nenhuma solução concreta para enfrentar a destruição do ambiente gerada pelas corporações transnacionais que dominam, associadas aos principais estados do capitalismo mundial e internacional organizações.
Portanto, a partir do próprio movimento devemos gerar condições de crítica ao que realmente está acontecendo e sim, claro, lutar, lutar pelo acesso à conectividade, pelo acesso à tecnologia, pelo acesso aos equipamentos, para democratizar o processo de revolução técnico-científica que está se desenvolvendo neste momento. É necessário, pois o impacto na sociedade é imenso.
Comunicamo-nos, informamo-nos e treinamos através destes dispositivos, plataformas e mecanismos de circulação da produção intelectual e material. Na verdade, este fórum funciona na base da digitalização e claro, este processo de digitalização define hoje o processo de produção, o processo de investigação científico-tecnológica, os processos de formação e os desenvolvimentos das telecomunicações.
O nosso desafio, creio, e este fórum pretende nesse sentido, propor uma crítica substantiva e profunda a quem hoje domina o processo de digitalização, e tentar gerar um pensamento crítico que contribua para que a digitalização seja apropriada pela sociedade como um todo. pensar em soluções que tenham a ver com uma dinâmica de emancipação. A emancipação educativa faz parte da emancipação social em termos gerais.
A exigência de organizações internacionais, governos e instituições deve ter como objetivo permitir e facilitar a ampla participação social, tornando visíveis as críticas que são muito fortes nos propósitos deste fórum, das organizações convocatórias e n abordagens alternativas relativamente à utilização da tecnologia, incluindo a inteligência artificial, para pensar em termos de transição civilizacional.
Se não, coloca-se em debate o que o movimento social disse no Fórum Social Mundial em Porto Alegre há mais de 20 anos, que “um outro mundo é possível”, também com uma apropriação da tecnologia pela sociedade para justamente transformar a sociedade. Portanto, tudo o que tem a ver com permitir, facilitar e encorajar o aparecimento de críticas parece-me muito importante. O que se deve exigir dos governos, e penso nisso da Argentina, onde há uma semana começou um governo de extrema direita, ultraliberal, que se assume como “anarco-capitalista” e por isso a exigência é que não permitam a comercialização educacional e que devemos enfatizar que a educação é um “direito”, não uma “mercadoria” e, portanto, mais do que uma demanda aos governos, é um incentivo para fortalecer a denúncia da comercialização educacional e, portanto, não é apenas uma questão do montante de recursos para a educação, mas também uma orientação em sentido público para a emancipação.
Para as instituições, o pedido é que se abram à consulta e participação da comunidade educativa. Algo como a democratização das instituições, a desburocratização e o caráter corporativo assumido pelas universidades e suas autoridades. Aos acadêmicos, eu pediria que saíssem do perfil “acadêmico”, como escritores de “papers”, repetidores de teoria e que são encorajados a pensar projetando uma função mais “intelectual”, para se tornarem intelectuais, pensadores críticos, para recuperarem a tradição de a reforma universitária, essa tradição revolucionária, para que tanto os intelectuais que trabalham na universidade como nas instituições universitárias possam pensar no novo tempo de uma transformação civilizacional.
Trata-se de refundar uma educação para a transição civilizacional, da exploração e da pilhagem para uma sociedade de cooperação e comunidade, no resgate da pedagogia dos oprimidos e da pedagogia da esperança, num tempo de recuperação da perspectiva social para a revolução.
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