“O conflito armado no Sudão resultou em milhares de civis mortos, milhões de deslocados, bens saqueados e crianças recrutadas, à medida que os combates se espalharam por mais regiões do país”, lê-se no documento do gabinete de Direitos Humanos da ONU.
A “Autoridade Popular de Apoio às Forças Armadas Sudanesas [SAF]”, uma das partes em conflito, afirmou ter armado 255.000 jovens em campos por todo o Sudão, segundo o relatório, que adianta que crianças também foram recrutadas pelas Forças de Apoio Rápido (RSF), a outra parte envolvida no conflito, em tribos árabes no Darfur e no Cordofão.
E as comunidades étnicas africanas, incluindo Fur, Masalit e Zaghawa também terão respondido às campanhas de recrutamento das SAF, conclui-se no documento.
Além do recrutamento de crianças, até 15 de dezembro de 2023 “pelo menos 118 pessoas foram sujeitas a violência sexual, incluindo violação coletiva, e tentativas de violação, entre elas 19 crianças”. E muitas das violações “foram cometidas por membros da RSF, em casas e nas ruas”.
“Uma mulher foi detida num edifício e repetidamente violentada em grupo durante um período de 35 dias”, relata-se.
Porém, apenas quatro vítimas de violência sexual manifestaram-se dispostas a denunciar às autoridades as violações, não só pelo estigma, mas também pela desconfiança no sistema judicial, colapso das instituições de Justiça e medo de represálias, adianta-se no relatório.
No mesmo documento descreve-se vários ataques indiscriminados levados a cabo pelas SAF e pelas RSF, as duas partes em conflito no Sudão, entre abril e dezembro de 2023, em áreas densamente povoadas daquele país de África, incluindo em lugares de abrigo para os deslocadas internos, particularmente na capital, Cartum, mas também em Kordorfan e Darfur.
De acordo com o comunicado, ainda esta semana “provas de vídeo credíveis analisadas pelo Gabinete de Direitos Humanos da ONU mostram que vários estudantes que viajavam por estrada no estado de Kordofan do Norte liderados por homens uniformizados da SAF na cidade de El-Obeid”.
O vídeo, publicado nas redes sociais em 15 de fevereiro, “mostra tropas desfilando com cabeças decapitadas na rua enquanto entoam insultos étnicos”.
“Há quase um ano, os relatos vindos do Sudão têm sido de morte, sofrimento e desespero, à medida que o conflito sem sentido e as violações e abusos dos direitos humanos persistem sem fim à vista”, afirmou o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, citado no comunicado.
Por isso, “este relatório proporciona uma leitura ainda mais dolorosa sobre a tragédia infligida desnecessariamente ao povo sudanês desde abril de 2023, mas também sublinha mais uma vez a extrema necessidade de pôr fim aos combates e de quebrar o ciclo de impunidade que deu origem a este conflito, em primeiro lugar”, defendeu.
“As armas devem ser silenciadas e os civis devem ser protegidos. O recomeço credível de conversações inclusivas para restaurar um Governo liderado por civis é desesperadamente necessário para abrir um caminho a seguir”, concluiu o responsável.
Além disso, “algumas destas violações equivaleriam a crimes de guerra”, disse Türk. Por isso, “deve haver investigações rápidas, completas, eficazes, transparentes, independentes e imparciais sobre todas as alegações de violações e abusos dos direitos humanos internacionais e violações do direito humanitário internacional e os responsáveis devem ser levados à Justiça”, defendeu.
Em meados de dezembro, mais de 6,7 milhões de pessoas tinham sido deslocadas pelo conflito, tanto no Sudão como nos países vizinhos. Desde então, esse número aumentou para mais de oito milhões.
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